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Você tem sono descontrolado? Pode ser narcolepsia. Saiba mais aqui

18 dezembro 2009 - 14h24

Quando passou a cair no sono em pleno expediente, a recepcionista Lucília do Carmo Moraes, 33 anos, jamais desconfiou ser vítima da narcolepsia, síndrome neurológica incomum que provoca episódios repentinos de sonecas profundas por alguns minutos durante o dia ou deixa a pessoa constantemente sonolenta. Para ela, a sonolência contínua e os cochilos incontroláveis eram decorrentes da rotina desgastante de trabalho como operadora comercial em uma grande loja de departamentos, do estudo no período noturno e das tarefas e cuidados com a própria casa. “A primeira manifestação ocorreu quando eu tinha 19 anos. Não compreendia aquele sono excessivo em plena luz do dia. Não tinha noção do que estava acontecendo, até porque passei a sofrer de outro sintoma da doença que nunca ouvira falar, que é a cataplexia. Eu não podia ficar alegre ou dar risadas que desfalecia. Não perdia os sentidos, mas meu corpo não obedecia meus comandos e eu não conseguia me mover”, relata.

Lucília sofreu por um ano até conseguir chegar ao diagnostico do distúrbio. Na escola, ela era motivo de piadas. No ambiente de trabalho, os colegas tentavam adivinhar o problema. Alguns cogitavam uma gestação, outros falavam que ela estava “possuída”. Havia ainda o grupo que apostava que a moça era médium ou tinha problemas mentais. Em casa, ninguém entendia o que se passava. “Meu sono vem do nada. Dura uns dois ou três minutos e eu chego a roncar. Já dormi em ônibus, no metrô e até em fila de banco. Em pé, sentada, recostada, não importa a posição. O sono vem fora de controle. Fiz uma verdadeira peregrinação por hospitais e passei pelas mãos de vários médicos, de diversas especialidades. Eles faziam exames dos pés à cabeça e falavam que eu não tinha nada”, recorda.
O diagnóstico foi feito pelo neurologista e professor da Universidade de Brasília Nonato Rodrigues. Especialista em transtornos do sono, ele explica que o estado contínuo de sonolência ou as crises incontroláveis deixam o paciente em perigo constante. O mal pode prejudicar a atenção, a concentração e o humor, além de trazer consequências individuais, sociais e econômicas graves. “A narcolepsia é uma doença neurológica de caráter genético, que se manifesta por uma desordem nos sonos, que ficam deteriorados e perdem suas fronteiras, seus limites. O sono REM(1), mais conhecido como o dos sonhos, entra na vigília e invade o sono não REM”, observa.

O médico esclarece que o transtorno incapacita. Segundo ele, a sonolência diurna excessiva e incontrolável é o principal e mais comum sintoma da narcolepsia, mas as outras manifestações da síndrome também são constrangedoras e incompreendidas. A cataplexia, ou perda no tônus muscular, associada a emoções, geralmente agradáveis, acomete mais de 60% dos portadores do mal. “Imagine o que é desfalecer sem perder a consciência, ficar incapaz de se mexer por cerca de dois ou três minutos. Os narcolépticos não têm as rédeas da própria vida e são vítimas de julgamentos extremamente precoceituosos”, diz. Aqueles que acumulam a cataplexia passam a reprimir sensações boas. “São pessoas que têm dificuldades em se manter empregadas ou até para conseguir trabalho. Afinal, ninguém deseja um funcionário que dorme durante o expediente. É uma doença extremamente limitante”, lamenta.

Tormento
Geralmente, os primeiros sintomas surgem entre os 15 e 35 anos de idade. Os portadores do mal também podem ser vítimas de alucinações ao adormecer ou despertar, de sensações visuais ou auditivas de animais dentro do quarto e até de flutuação. Alguns pacientes também sentem paralisia do sono. Acordam, abrem os olhos e não conseguem se mexer. O sono noturno é muito fragmentado, com múltiplos despertares e pesadelos. Dormir à noite é um tormento para os narcolépticos. O neurofisiologista do Centro Interdepartamental para os Estudos do Sono do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo Flávio Aloé destaca que a narcolepsia é uma doença crônica e autoimune. O organismo do narcoléptico fabrica anticorpos contra células específicas da região do hipotálamo, no sistema nervoso central. “É uma síndrome peculiar, de diagnóstico incomum. Geralmente, o paciente não consegue explicar os sintomas aos médicos e muitos profissionais nem sequer reconhecem a doença. Isso leva a pessoa a sofrer por anos sem saber o diagnóstico. Mas o potencial de respostas diante do tratamento dos sintomas é altamente positivo”, garante.

Para fechar o diagnóstico, é preciso uma investigação detalhada. Especialistas recorrem ao exame de latência múltipla de sono. Trata-se de um teste de laboratório em que o paciente é colocado para dormir cinco vezes durante o dia, a cada duas horas. Mede-se o tempo que ele leva para dormir e observa-se o intervalo que alcança o sono REM. Normalmente, esse sono vem com 90 minutos, mas, nos narcolépticos, ele chega em até 40 segundos. O tratamento depende também da higiene do sono e de medidas que melhorem todos os outros sintomas, permitindo que a pessoa tenha qualidade de vida.

Sonho destruído
Na medida do possível, Lucília tenta alcançar esse objetivo. Seu exame detectou que ela acorda mais de 70 vezes a cada hora durante o sono da noite. “Dependo de remédios, mas hoje consigo trabalhar sem passar por tantos contratempos. Infelizmente, não consigo estudar e o sonho de fazer uma faculdade ficou para trás. É bem complicado, não posso dirigir, engravidar, fazer planos. Digo que tenho poucos motivos para sorrir e, quando dou risada, essa doença me joga no chão”, resume.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou recentemente uma medicação usada há 10 anos nos Estados Unidos e na Europa para o tratamento da sonolência associada à narcolepsia. A modafinila atua no sistema nervoso central, ativando regiões do cérebro responsáveis pela promoção do estado de vigília, sem interferir no sono noturno. “É um medicamento significativamente mais seguro que seus antecessores, pois não causa os efeitos colaterais de estimulantes da classe das anfetaminas e da cafeína, como irritabilidade, irritação gástrica e aumento da pressão arterial sistêmica”, diz Alóe.

A modafinila é superior às anfetaminas porque não causa dependência e perda de efeito. Também não acarreta euforia, alteração de humor ou taquicardia, como provocam as anfetaminas, explica o especialista. “Infelizmente, não existem políticas de saúde para reconhecimento e distribuição de medicamentos para os pacientes da narcolepsia”, conclui.


1 - Intensa atividade
Sigla em inglês para movimento rápido dos olhos, significa o pico da atividade cerebral, quando ocorrem os sonhos. O relaxamento muscular atinge o máximo e voltam a aumentar as frequências cardíaca e respiratória. O sono REM caracteriza-se por uma intensa atividade registrada no eletroencefalograma (EEG), seguida por flacidez e paralisia funcional dos músculos esqueléticos. Nessa fase, a atividade cerebral é semelhante à do estado de vigília, e as coisas que foram aprendidas durante o dia são processadas e armazenadas. O sono REM representa de 20% a 25% do tempo total de sono. É essencial para o bem-estar físico e psicológico do indivíduo.

A importância do descanso

Especialistas alertam que o ser humano precisa de um mínimo de horas diárias de sono. A quantidade varia entre os indivíduos. Esse período de descanso físico e mental é essencial para que o corpo realize processos metabólicos vitais para garantir saúde e qualidade de vida. Estudos com pessoas privadas de sono (que dormem menos do que precisam) mostram que o vigor físico, a resistência a doenças, atenção, coordenação motora e muitas outras atividades são seriamente prejudicadas quando não se dorme. A curto prazo, cansaço e sonolência durante o dia, irritabilidade, alterações repentinas de humor, perda da memória de fatos recentes, comprometimento da criatividade, redução da capacidade de planejar e executar, lentidão do raciocínio, desatenção e dificuldade de concentração são sentidos por aqueles que não dormem bem. A longo prazo, ocorre a falta de vigor físico, envelhecimento precoce, diminuição do tônus muscular, comprometimento do sistema imunológico, tendência a desenvolver obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e gastrointestinais e perda crônica da memória.

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