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Salve o Corinthians, por Wilson Biasotto

18 fevereiro 2010 - 14h38

Essa história de colocar o meu endereço eletrônico ao final de minhas crônicas, dizendo “suas críticas são bem vindas” tem provocado variados tipos de mensagens. As mais comuns são objeções à matéria, congratulações, solicitações de opinião ou bibliografia sobre determinado tema e também sugestões para que eu escreva sobre variados assuntos, inclusive sobre coisas inusitadas. Gosto disso, pois provoca uma aproximação muito interessante entre o cronista e o leitor.
Mas eis que num dia desses o namorado de uma sobrinha minha lá do interior de São Paulo, disse-me que, não obstante gostasse de minhas crônicas, só ficaria feliz no dia em que eu fizesse uma saudação elogiosa ao Corinthians, o seu time de coração.
Confesso que foi difícil aceitar o desafio, mas como eu vivo pregando que o século 21 deve ser o século da paz, não iria perder a oportunidade de mostrar que é possível sermos adversários sem sermos inimigos. Mas, repito, enfaticamente, não foi fácil, afinal, bem sabe esse caro sobrinho agregado que o meu ramo familiar tem uma tradição de cinco gerações de torcedores palmeirenses. Como haveria de fazer uma saudação ao Corinthians se, por exemplo, o meu único irmão chama-se Jair em homenagem ao extraordinário ponteiro, Jair da Rosa Pinto, o Jairzinho? Como saudar o Corinthians se desde criança era levado ao estádio da Ferroviária de Araraquara, com as suas arquibancadas de tábua, ora vejam, de tábuas, para ver o Palmeiras? Como homenagear o Corinthians, logo eu que vi com esses olhos que a terra haverá de comer um dia, Oberdan Catani, já veterano, segurar um tirombaço com uma única mão e Djalma Santos, atuando na lateral direita? Ora, como haveria de saudar um arqui-rival de meu glorioso Palestra se ainda tenho nítidas na lembrança as passadas largas de Ademir da Guia, o Divino, e as suas tabelas com Dudu. Como esquecer essa Academia ou a Maquina Verde de fazer gols de 1996 ou mesmo a Libertadores de 1999?
Bom, enfim se fosse sobre o Palmeiras, campeão do século 20 teria muito a dizer, mas do Corinthians? Por outro lado, já disse sobre o meu desejo de que o século 21 seja marcado na história da humanidade como “o século da paz”. E por que não começar pelo futebol? Confessemos afinal, desde que não seja contra o nosso time, não é legal ver uma cobrança de falta do Rogério Ceni? Uma defesa de São Marcos, as tabelas Adriano e Wagner Love? E ver esse time moleque do Santos jogando, agora, ainda por cima, com Robinho? Cá entre nós, não é bom ver Roberto Carlos, Ronaldo, Fred, Diego Souza, Cleiton Xavier, Márcio Araujo Cleber Gladiador, Ganso, Neymar, Robinho, Petikovic, Hernandes, e tantos outros que estão no Brasil, fazendo vibrar as galeras de seus respectivos times?
Além do mais não posso frustrar um agregado novo, que precisa receber um excepcional tratamento para que se sinta verdadeiramente da família.
Sem mais delongas, vamos à nossa homenagem ao time de Parque São Jorge. Puxo pela memória e lembro-me de uma estada minha em São Paulo, no mês de março do ano de 1968 quando fui, com meu amigo Cleodir, corintiano de carteirinha, prestar um serviço na capital paulista. Na semana em que estávamos lá haveria dois jogos no Pacaembu. Palmeiras e Náutico, na quarta e Corinthians e Santos no domingo. Como éramos dois caipiras do interior fizemos um pacto, o Cleodir me acompanharia para assistirmos o jogo do Palmeiras e eu retribuiria assistindo o Corinthians com ele.
Dito e feito. Palmeiras e Náutico, se não me falha pela Taça Libertadores, zero a zero e Waldir, o goleirão palmeirense ainda puxou para fora do gol uma bola que tinha entrado uns dez centímetros, mas que o juiz não vira. O Cleodir no meio da torcida palmeirense nem ousou se manifestar.
Aí veio Corinthians e Santos. Lá fomos nós no meio da torcida corintiana. Onze anos de tabu, 22 partidas sem vitória para o Corinthians. Preparei-me psicologicamente para que quando Pelé fizesse um gol eu ficasse quietinho fingindo estar triste. Evidente que se me manifestasse viraria picadinho, afinal, por mais meu amigo que o Cleodir fosse, não conseguiria jamais refrear a fúria dos torcedores se eu demonstrasse qualquer alegria por um gol do Santos.
Mas qual? Fui ver Pelé, mas quem jogou foram os jovens Rivelino, Paulo Borges e Flávio, esses últimos os artilheiros que sacramentaram o fim do tabu impingindo dois a zero no glorioso Santos.
A torcida corintiana, já naquela época virou um bando de loucos e invadiu o campo gritando “com Pelé, com Edu, nós quebramos o tabu”.
Foi uma glória para o time de Parque São Jorge. Valeu por um campeonato. E eu, pobre de mim, a cada gol do Corinthians levantava-me de mau gosto, ao lado de Cleodir, para que ninguém desconfiasse de que havia aí um palmeirense torcendo para o Santos.
Foi um marco histórico, e ao relatá-lo espero ter agradado ao meu sobrinho e, por extensão ao meu genro, também corintiano. Aos meus filhos, quero dizer que não se envergonhem dessa postura do pai, querem saber de uma coisa, acho que valeu a pena. Foi um treinamento muito sadio vendo méritos em um de nossos mais ferrenhos adversários. E, afinal, o meu sobrinho merece que eu lhe relembre essa glória, pois é um corintiano nobre. Acredite o leitor que ele, embora seja corintiano quase fanático, diz ao avô de minha sobrinha (meu pai), que é palmeirense, só para não matar o velho de desgosto?
Não coleciono as glórias do Corinthians e muito pouco as de meu próprio time, mas acho gostoso torcer e às vezes secar o adversário, sem no entanto, ultrapassar os limites da civilidade.
Por fim, uma brincadeira sobre o título da crônica: O início do hino corintiano “Salve o Corinthians”, escrito pelo radialista Lauro D’Ávila, é uma saudação às glórias do time ou um pedido de socorro, no sentido de tirá-lo de situações inferiorizadas?
Brincadeiras à parte, um fraterno abraço aos que sabem torcer e brincar. Mas se alguém se zangar não se esqueça de que encaminho essa crônica justamente no dia posterior em que o meu time fez o seu baile carnavalesco na quarta-feira de cinzas, em pleno Palestra, quando dançou perdendo por 4 a 1 da frágil equipe do São Caetano.

Suas críticas são bem vindas: biasotto@biasotto.com.br

Membro da Academia Douradense de Letras. Prof. Aposentado CEUD/UFMS

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