O professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Mario Sá, do curso de Relações Internacionais da Faculdade de Direito (Fadir), publicou o artigo “O diabo do feitiço”, na edição de janeiro (nº 52) da Revista de História da Biblioteca Nacional.
A introdução do artigo pode ser acessada pelo site da Revista, no link http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2852 .
Confira:
O diabo do feitiço
No Mato Grosso colonial, feiticeiros prometiam solucionar problemas amorosos, financeiros, desvendar roubos misteriosos, curar e até matar
Mario Teixeira de Sá Junior
Quando viu aquele embrulho suspeito na porteira do curral do capitão Carlos de Oliveira em Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, o preto alforriado Joaquim Moreira achou por bem averiguar o que havia ali dentro. Encontrou, entre outros objetos, pedaços de couro, corais, uma argola de ferro, versos de uma oração e até mesmo alguns bicos de pássaros, tudo isso envolvido por um lenço de tabaco. Pensando ser feitiçaria, Joaquim ateou fogo naquelas coisas. Contrariado, o escravo Manoel Quiçamá, autor do embrulho, foi tomar satisfação, afirmando que “aquilo não era feitiço, mas remédio para curar os outros de feitiço”.
As práticas de feitiçaria e magia faziam parte do dia a dia dos habitantes da região do Mato Grosso no século XVIII. Casos como o de Joaquim Moreira e uma série de denúncias sobre práticas de adivinhadores, rezadores, curadores e feiticeiros podem ser encontrados nos Autos da Devassa da Visita Geral da Comarca Eclesiástica de Cuiabá, realizada em 1785. Apesar de o Tribunal do Santo Ofício – braço da Igreja responsável pelo julgamento de crimes religiosos – não ter se estabelecido no Brasil, seus representantes realizaram sete importantes visitas, além de outras de menor impacto.
Os números da Devassa, que significa “investigação”, revelam aspectos muito interessantes sobre as acusações. Das 15 denúncias de prática de magia, 12 foram feitas por brancos. Em relação às acusações de feitiçaria, temos uma proporção próxima: das 48 acusações, 30 foram feitas por brancos. Seguindo a mesma lógica, das 15 pessoas acusadas por magia, apenas seis eram brancas. Além disso, entre os supostos feiticeiros não havia sequer um branco. O grande número de denúncias de magia e feitiçaria feitas por brancos mostra como eles acreditavam que negros e índios usavam estas práticas nos conflitos cotidianos. (...)