O governo federal pretende encaminhar sua proposta de reforma tributária de forma fatiada para o Congresso Nacional, em três etapas, informou a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado.
A economista, que integrava o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), é responsável, juntamente com o novo secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, por fechar as propostas tributárias que serão enviadas ao Legislativo. Eles assumiram essa tarefa depois da demissão, em setembro, de Marcos Cintra, então secretário da Receita, que defendia um tributo nos moldes da extinta CPMF.
Segundo a assessora, em um primeiro momento a intenção do governo é manter a carga tributária estável. No futuro, entretanto, pode haver redução do peso dos tributos na economia, informou.
De acordo com Vanessa Canado, a reforma tributária deve ser dividida da seguinte forma:
mudança na tributação sobre o consumo, prevendo a criação de um Imposto de Valor Agregado (IVA) federal, que substituiria PIS/Cofins. A proposta não vai incluir alterações no ICMS, que é um imposto estadual, e no ISS, que é um imposto municipal;
criação de um imposto seletivo (que incide sobre bens e serviços específicos) para cigarros e bebidas no lugar do IPI;
mudanças no Imposto de Renda, retomada da tributação sobre lucros e dividendos e desoneração da folha de pagamentos. Também podem ser propostas mudanças na tributação sobre o patrimônio.
"Como as propostas de reforma que estão em análise na Câmara e no Senado endereçam o consumo, e como a gente tem muita complexidade e muito contencioso em torno do PIS e do Cofins, parece óbvio que a gente começasse com esse movimento, para alinhar com as propostas que estão em discussão", disse a assessora.
Reforma tributária: entenda as propostas em discussão no Congresso
"O imposto seletivo vem um pouco depois. Em outra fase, todo o resto: Imposto de Renda, folha e patrimônio", completou.
'Timing'
A assessora especial do Ministério da Economia disse que o "timing", ou seja, o momento do envio das medidas ao Congresso, ainda não está totalmente definido.
"Temos um cronograma técnico de trabalho, mas não necessariamente é coincidente com o [cronograma] político", afirmou Canado.
De acordo com o Ministério da Economia, a previsão é de que a primeira fase da proposta de reforma tributária, envolvendo o IVA federal, seja enviada ao Legislativo ainda neste ano.
A criação do imposto seletivo, por sua vez, deve ser encaminhada no começo de 2020 e, as demais mudanças, até o fim do primeiro semestre do ano que vem.
Peso dos tributos
A equipe do Ministério da Economia, informou Vanessa Canado, trabalha para manter, nos primeiros anos, o atual nível da carga tributária brasileira, que é o patamar de impostos pagos em relação à riqueza do país.
Em 2017, último dado oficial, a carga total (governo, estados e municípios) somou 32,43% do Produto Interno Bruto (PIB). No caso somente da União, o peso dos tributos foi de 22% do PIB no ano retrasado.
"Reduzir a carga tributária é sempre desejável. É obvio que em um governo liberal como esse, a vontade do ministro [Paulo Guedes] é reduzir. Não há dúvida. Mas a gente precisa primeiro passar por essa fase de ajuste [redução] dos gastos", declarou ela.
A assessora disse ainda que a proposta de reforma do PIS/Cofins, por meio da criação de um IVA federal, também não reduzirá o peso dos tributos federais sobre o consumo.
Atualmente, a carga tributária brasileira sobre o consumo está bem acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos. Está também acima dos Estados Unidos. Segundo economistas, isso penaliza, principalmente, os mais pobres.
Vanessa Canado afirmou que a intenção do governo é "equalizar" o tratamento tributário para os contribuintes, e avaliou que isso já será "muito bom em termos distributivos".
"A gente consegue tributar [pelo modelo atual] duas pessoas que ganham R$ 10 mil de formas completamente distintas. Equalizar já vai ser muito bom em termos distributivos", declarou.
Ela acrescentou, porém, que, no futuro, essa "balança" pode ser modificada, pois os consumidores passarão a saber, com mais clareza, quanto pagam em impostos sobre o consumo - que estarão discriminados na nota fiscal.
"Isso é uma estratégia. Quando você mostra para o cidadão, você o empodera para que ele exija do Estado que a carga tributária baixe. O PIS/Cofins vai ser um tributo mais transparente. Hoje em dia ele nem aparece na nota fiscal. O cidadão poderá exigir redução da carga tributária ou melhora do serviço público", avaliou.
Sem mudar a Constituição
Vanessa Canado informou que as propostas que estão sendo estudadas pelo governo não envolvem mudanças na Constituição. Serão enviadas por meio de projetos de lei, Medidas Provisórias, ou lei complementares.
Para ter validade, projetos de lei precisam ser aprovados por maioria simples, na Câmara e no Senado. Medidas provisórias têm vigência imediata, assim que publicadas, mas depois precisam ser confirmadas por ambas as Casas, também por maioria simples.
Já as propostas de emenda à constituição (PECs) precisam passar por dois turnos na Câmara e Senado - com aprovação por três quintos dos parlamentares.
Reforma difícil
Diferentes governos tentaram, sem sucesso, fazer a reforma tributária nas últimas décadas, focados principalmente na tributação sobre o consumo, mas esbarraram em resistências de caráter regional, partidário e de diferentes setores produtivos, todos eles representados no Congresso Nacional.
A simplificação da cobrança de impostos é considerada por especialistas como fundamental para a retomada do crescimento econômico. Analistas e investidores reclamam do elevado número de tributos e da complexidade do sistema tributário brasileiro, e avaliam que isso afasta investimentos.
No caso do ICMS estadual, por exemplo, há 27 diferentes legislações vigentes no país.
Relatório "Doing Business" do Banco Mundial, de 2019, mostra que, entre 190 países no mundo, o Brasil manteve a 184ª posição no critério "pagamento de impostos".
O Brasil continua sendo o país onde as empresas gastam mais tempo para calcular e pagar impostos: 1.958 horas por ano em média. Na Bolívia, que ocupa o penúltimo lugar, são 1.025 horas por ano. Na Argentina, o tempo médio é de 311,5 horas/ano. Já no México, o número cai para 240,5 horas/ano.