"Os que sobreviveram caminham como se estivessem mortos." A frase, de um jovem haitiano que perdeu a mãe e a irmã mais nova, definiu com terrível precisão as pessoas que vagavam pelas ruas nos primeiros dias depois da "catástrofe", como é chamado aqui o terremoto do dia 12. A cada dia que passou, a frase foi perdendo sentido. Sem chance de enterrar seus mortos, o luto e o choque dos haitianos deram lugar a um impulso mais primitivo: o da sobrevivência.
Vieram os saques, a disputa desesperada nas distribuições de alimentos e água, os últimos gourdes (a moeda local) trocados por verduras e frutas e, finalmente, as filas imensas na reabertura das agências de transferência de dinheiro e dos bancos poupadas pelo terremoto. O Haiti e sua economia renascem. Mas, além da metade dos 200 mil mortos estimados, que não foi retirada dos escombros, o que mais do Haiti foi sepultado pelo terremoto?
Desde a queda do presidente Jean-Bertrand Aristide, em fevereiro de 2004, o país passa por um árduo processo de estabilização e construção de instituições. "O Haiti perdeu uma geração e retornou a um passado desconhecido, já que jamais se encontrou, em toda a sua história, tão enfraquecido e dependente do exterior, como agora", avalia Ricardo Seitenfus, há um ano representante especial da Organização dos Estados Americanos no Haiti.
Estavam previstas eleições para o Parlamento em fevereiro e para presidente em novembro. O Conselho Eleitoral sequer se reuniu para decidir se as datas serão mantidas. Para Seitenfus, diretamente envolvido no processo eleitoral, o país "perdeu uma oportunidade única de ingressar num círculo virtuoso que havia sido preparado ao longo de 2009: reorganização institucional, reforma constitucional, consolidação do Estado de Direito e da democracia e, finalmente, retomada dos investimentos externos."
De acordo com o general Floriano Peixoto, comandante da força militar da ONU no Haiti, do ponto de vista da segurança, "não mudou praticamente nada" com o terremoto. "Já havia sequestros, saques e estupros. Essa é a razão por que estamos aqui", diz o comandante, que fez parte do primeiro contingente da ONU no Haiti, em 2004. Ele admite que os milicianos que fugiram da Penitenciária Nacional de Porto Príncipe, destruída pelo tremor, estão "reagrupando-se e planejando ações para o futuro". Até porque, agora, nem têm sequer o que roubar. "Eles poderão tentar alguma coisa, e vão levar na cabeça como levaram a partir de 2006."
Já no processo institucional, o general compara o Haiti a "uma pessoa que sai caminhando feliz da vida e leva um soco de um homem fortíssimo que a derruba no chão". Ele afirma que as instituições, o Parlamento, o sistema prisional, os hospitais e outros serviços vinham funcionando. "De repente, isso acaba."
Peixoto garante que o Haiti tem solução, desde que a comunidade internacional o ajude a reerguer-se: "O haitiano é um povo bom, com autoestima e talento muito acima do normal e orgulho nacional enorme", como a primeira nação das Américas que proclamou a independência e ao mesmo tempo aboliu a escravatura, em 1804. "Isso criou um amálgama." Mas o general não tem dúvida de que a reconstrução vai demorar mais que uma geração.
O embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman, diz que, apesar de "catastrófico", o terremoto pode ter duas consequências positivas. A primeira é a união dos políticos haitianos. O país tem 150 partidos, dos quais mais de 50 apresentaram candidatos à eleição. Ele observa que líderes de outras correntes políticas foram visitar o presidente René Préval para prestar solidariedade. "A catástrofe faz que todos criem um certo pacto pela reconstrução do país." Além disso, diz o embaixador, muitos dos países que o estão agora ajudando nunca tinham tido qualquer envolvimento com ele. "Eu nunca tinha visto pousar um avião russo nesse aeroporto", exemplifica.
Seitenfus também vê duas esperanças no terremoto: primeiro, a compreensão da dimensão do desafio do Haiti. "Além de imoral, não há como estabilizar um país com 80% de desemprego, 50% de analfabetismo, desníveis socioeconômicos imensos, déficit em educação e saúde", enumera, lembrando que 90% do gasto da comunidade internacional era destinado à área militar. A segunda esperança é a possibilidade de um consenso nacional, um pacto político. "Espero que a dor imensa que se esparrama pelo país leve seus políticos a tomar consciência dessa imperiosa necessidade."
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