Esta aconteceu no Natal de 1998, na pequenina cidade de Bosque Perdido (MG), encra-vada na morraria da Serra da Mantiqueira. É o exemplo típico de como a vida muitas vezes nos brinda com surpresas do inusitado, e como ela é graciosa nas suas dádivas divinas.
Mariela era uma menina de oito anos, cabelos lisos alourados, magrela, mas de um sorriso e conversa fácil. A troca dos dentes de leite expunha dois vãos dianteiros laterais, que exibidos, davam ao seu rosto uma meiguice capaz de derreter o mais frio e duro aço coronariano. O brilho dos olhos e a tagarelice da língua traduziam toda sua ingenuidade perante o mundo. Tinha tudo para ser feliz. Tinha avós que a mimavam desde o amanhecer ao anoitecer. Tinha uma mãe, a cabeleireira Mariana Duprat, que se desfazia em lhe proporcionar o melhor, seja na alimentação, no vestuário e em cuidados pessoais com sua educação e formação moral. Na pequena cidade todos conheciam Mariela, e com ela se encantavam.
Mas, bem nos fundos dos olhos da menina uma pequenina sombra se movia quando che-gava a época do final do ano. Era uma mágoa que reprimia sua alegria. E não adiantava pergun-tar, pela centésima vez, à mãe por onde andaria seu pai. Ela sempre dava a mesma resposta: “Não sei”. Simplesmente, e nada mais. Seus olhinhos se enchiam de lágrimas e ela baixava a cabeça com o peso da dor no peito. A cada ano sua angústia aumentava, e ela, não sabendo mais o que fazer, resolveu escrever uma carta ao Papai Noel.
Dizia a carta postada nos Correios:
“Querido Papai Noel, meu nome é Mariela e só tenho oito aninhos. Sei que o senhor viu que durante o ano fui uma boa aluna na escola e que sempre obedeci direitinho a minha mãe. Estou lhe escrevendo esta cartinha, porque quero lhe pedir um grande favor. Não vou lhe pedir aquela boneca que conversa com a gente que vi na vitrine daquela loja toda bonita e enfeitada, nem outro brinquedo qualquer. Quero que o senhor encontre e traga de presente para mim o meu pai. A única coisa que sei dele é que se chama Manoel Aprígio de Queiroz, e que foi embora antes de saber que eu vinha ao mundo. Minha mãe não gosta de falar dele, e fica triste toda vez que eu pergunto por ele. Ah! Sei também que ele tinha o apelido de “Português”. Para lhe animar, lhe dou logo um milhão de beijinhos, Papai Noel. Assinada, Mariela Duprat.”
A partir daí, a correspondência rolou pelos escaninhos da empresa, e foi cair nas mãos do carteiro Juvenal na Comissão que cuidava das cartas para o Papai Noel. Todos os anos os Cor-reios recebiam milhares e milhares de cartas em todo o país, e, organizada com os benfeitores, a empresa tentava atender aos pedidos dos pequenos mais carentes. Juvenal estava lotado na Agência Central em Belo Horizonte, onde havia chegado vindo do interior, de Patrocínio. Talvez até por trote aos recém chegados, ele foi colocado na Comissão. Eu diria que foi por providência de Deus.
Logo que o Juvenal apanhou aquela carta, a letra vacilante e infantil com que estava en-dereçada ao Papai Noel, lhe chamou a atenção. Logo percebeu a emoção de que estava revestida aquela missiva.
Já com o pequeno texto perante seus olhos, naquela luz branca do grande salão de triagem das cartas, não pode conter o coração que se confrangeu perante o pedido da menina. Mas, sua emoção de imediato deu lugar à curiosidade que aquelas palavras lhe despertaram. Seu coração palpitou forte quando releu o nome do suposto pai, Manoel Aprígio de Queiroz, o Portu-guês. Seria possível?
Em Patrocínio, na Praça Santa Luzia, área central, vivia um comerciante com esse nome e com esse apelido. Ele cansara de lhe entregar correspondência, por isso sabia do nome e do apelido. Inclusive sua loja ostentava na fachada um vistoso painel com os dizeres: “Loja do Português”. Como o próprio dono dizia, vendia de tudo, mas não fiava nada.
Surpreso com a coincidência, e com o coração palpitando, Juvenal foi falar com seu supe-rior. Este leu a carta, ouviu o colega, e aos poucos tiveram uma idéia. Faltavam ainda cinco dias para o Natal. No dia seguinte, o superior ligou para a agência dos Correios em Patrocínio, e falou com o encarregado daquela unidade. Leu a carta da Mariela ao colega do interior, e lhe expôs a suspeita do carteiro Juvenal. Imediatamente, o preposto em Patrocínio se encarregou de fazer uma sondagem discreta junto ao Português.
Foi assim que, na manhã ensolarada daquele dia 24 de dezembro de 1998, a menina Ma-riela ouviu gente tocando a campainha no portão da sua casa. Correu para atender o carteiro, que outro não era senão o próprio Juvenal. Ao seu lado, aberto o portão, encontrou um senhor muito simpático que lhe sorria, com um grande pacote nos braços, do tamanho daquela boneca que falava.
O rosto do homem lhe parecia tão familiar...
Brígido Ibanhes
Escritor e membro da Academia Douradense de Letras
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