Desde a Antiguidade, as elites pouco se preocuparam com as condições de vida do povo, mas, sempre tiraram dele “objetos” para seu “entretenimento”. A diversão podia ser pessoal, privativa, ou coletiva. Nesse último caso, gente do povo era usada para distrair seus pares de problemas do cotidiano: pobreza, desemprego, opressão, corrupção... Cada tempo teve o seu "pão e circo", e os esportes, quase sempre violentos, tiveram um papel importante em cada contexto!Num universo onde a crueldade imperava, os mais hábeis gozavam de algumas vantagens; os sobreviventes alcançavam o status de heróis, liberdade e ascensão social; mas muitos nunca deixaram de ser escravos...Hoje, a evolução da civilização deu outras ênfases ao esporte: saúde, espírito de grupo etc; mas ele continua sinônimo de entretenimento, no bom e mau sentido. Para a elite ele é um prazer, mas para os menos favorecidos, muito mais que isso, ele é um meio de sair da miséria. É o caso, no Brasil, do futebol, mais do que qualquer outro esporte! Mas nem sempre a finta, o jogo de cintura, a finalização ou desarme, precisos, e a coragem e garra em campo servem para enfrentar o jogo da vida. Ele pode ser muito mais implacável que qualquer marcador “cabeça-de-bagre”! Mas o mundo do futebol exerce um fascínio quase irresistível sobre alguns, sobretudo os mais jovens.Dinheiro, fama, glamour e sensualidade são atrativos que podem iludir com facilidade quem mal saiu da adolescência e está, por isso mesmo, com os hormônios a mil por hora, enquanto os neurônios ainda estão subutilizados. A ilusão é de que com a fama: o feio vai ficar bonito, o mal-educado vai virar excêntrico e o errado vai virar certo!Muitos “olheiros” e empresários usam esses argumentos para vender ilusões em busca de lucro, mas poucos preparam seus "pupilos" para lidarem com os riscos inerentes: O néctar da glória inebria! O fogo da fama queima! Para piorar, aos sonhos de glória, das crianças, somam-se as ambições dos pais, num contexto sócio-político de muita discriminação e poucas opções. A transição social também é complexa, pois os amigos se multiplicam e, principalmente, os maus amigos vão querer continuar sendo íntimos. Também há os assédios moral, sexual e, agora, internacional. Mal adquiriram a consciência de si próprios, e já correm o risco de perder a identidade cultural e nacional!O impacto psicológico é dramático e transtorna e cega alguns, que passam a acreditar que o efêmero é eterno, ou que sendo efêmero precisa ser aproveitado intensamente, sem medidas ou cautelas. As festas de embalo, a promiscuidade sexual e o vício passam a fazer parte de suas vidas. Não vêem, ou não querem ver, relacionamentos interesseiros. Tiram proveito temporário deles, é verdade; mas a paixão "oportunista", em breve, vira pensão judicial, indenização...Tudo é festa! Mas o tempo esportivo é curto, e poucos se preparam, financeira, profissional e psicologicamente para o ocaso... Enxergam o futuro, mas não aprendem com o passado.Grandes ídolos tiveram suas carreiras destruídas por excessos e más companhias, ou viveram decadências meteóricas, mental e financeira, por investirem mal, não buscarem opções profissionais, por não conseguirem lidar com a "síndrome de abstinência" de fama, ou com o esquecimento das massas, volúveis. Podem ter conhecido o mundo; aproveitado, materialmente, tudo do bom e do melhor; vivido com luxo e extravagância, mas não conseguiram amadurecer, nem se tornarem pessoas melhores, nem cativar ou merecer relacionamentos sinceros. E um dia, quando tudo termina, muitos não resistem e se entregam, definham ou coisa pior... Ganharam no campo, mas perderam no jogo da vida!O esporte já livrou muitos da miséria, mas também devolveu a ela outros tantos!Por isso, é importante que os clubes, empresários e, principalmente, os pais lembrem que não estão lidando com uma mercadoria, mas com seres humanos em formação: frágeis e inexperientes! Não basta treiná-los física, técnica e taticamente. É preciso prepará-los psicologicamente para enfrentar esse universo onde fantasia e crueldade se alternam abruptamente. Afinal, se a fama nos leva às alturas, é indispensável estar preparado para jogar e vencer, também nesse tipo de altitude elevada... * Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro e professor universitário