Na década de 1970, em uma de minhas visitas a Roma, deparei-me com uma igreja cujas paredes externas haviam sido pichadas com esta ameaça: “Cloro ao clero!”. A intimidação confirmou o que me diziam então os professores de história da Igreja: o povo italiano é extremamente católico – isso há quarenta anos! – mas, ao mesmo tempo, se gaba de ser ferrenho anticlerical! Naquela época, as regiões mais comunistas e ateias eram precisamente as que, no passado, haviam formado os territórios pontifícios, extintos no dia 20 de se-tembro de 1870, com a conquista de Roma pelas tropas italianas.
Pelo que me parece, o anticlericalismo atual mudou de fisionomia e de tática, pelo menos na Itália (e na Europa), onde raramente os sacerdotes e religiosos acabam vítimas da violência. Contudo, em outros países, sobretudo na América Latina, que no passado foi visto como um continente católico, a truculência contra a Igreja continua na ordem do dia.
Em relação ao ano anterior, o número de missionários assassinados duplicou em 2009, quando nada menos de 37 deles perderam a vida nos cinco continentes: 30 sacerdotes, 2 religiosas, 2 seminaristas e 3 voluntários leigos – o número mais elevado dos últimos dez anos. Desse total, 23 atuavam no continente americano: 18 sacerdotes, 2 seminaristas, 1 religiosa e 2 leigos. Na África, morreram 9 padres, 1 religiosa e 1 leigo. A Europa registrou o homicídio de 1 padre, e a Ásia, 2. Se é verdade que nem todos morreram por motivos estritamente religiosos – mas da violência que cresce em toda a parte –, a maioria o foi porque assumiu a defesa e a promoção de quem jazia à margem da sociedade.
Na América, o país que liderou a lista de crimes foi o Brasil, com seis padres mortos. Entre eles, estão também dois missionários estrangeiros, que aqui vieram para se colocar a serviço dos pobres e excluídos. O espanhol Ramiro Ludeña, após dedicar 34 anos aos meninos de rua de Recife, acabou morto por um deles. O italiano Ruggero Ruvoletto foi assassinado em Manaus. O Pe. Evaldo Martiolo morreu vítima de latrocínio perpetrado por dois jovens, em Caçador. O Pe. Gisley Gomes Azevedo, assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, terminou sua vida num assalto, em Brasília. O Pe. Alvino Broering foi cravado por dezenas de facadas, em Itajaí.
Depois do Brasil, o segundo lugar em número de assassinatos pertence à Colômbia: cinco sacerdotes e um leigo. Sendo um país onde os saques estão na ordem do dia, todos os padres foram vítimas de latrocínio.
No México, morreram um sacerdote e dois seminaristas quando se dirigiam a um encontro de pastoral. Os assassinos os obrigaram a sair do carro e os mataram a sangue frio.
Em Cuba, as vítimas foram dois sacerdotes espanhóis: Eduardo de la Fuente Serrano, morto na periferia de Havana; e Mariano Arroyo Merino, amordaçado, amarrado e queimado na paróquia onde atuava.
Em El Salvador, foram mortos um sacerdote e um leigo.
Dentre as duas religiosas assassinadas em 2009, uma delas é Marguerite Bartz, que prestava seu serviço religioso e social na área indígena de Navajo, nos Estados Unidos. Outro religioso que perdeu a vida de forma violenta nesse país foi o Pe. Ed Hinds, sacerdo-te da Igreja de São Patrício, em Nova Jersey.
Na Guatemala, no dia 18 de março, acabou morto o Pe. Lourenço Rosebaugh, depois de uma vida de lutas contra a injustiça e a opressão em diversos países da América, inclusi-ve no Brasil, onde, em 1975, viveu entre os moradores de rua de Recife. No mesmo país, perdeu a vida o capuchinho Miguel Angel Hernandez, que havia sido sequestrado alguns dias antes.
Talvez para não ser inferior a 2009, o ano de 2010 fez a sua primeira vítima já no dia 18 de fevereiro: o Pe. José Luís Parra Puerto, assassinado a tiros na periferia da cidade do México.
De acordo com dados revelados pelo Vaticano, de 1980 para cá, foram mortos 949 agentes de pastoral no mundo – 230 deles no século XXI. Os números parecem dizer que a tão malfadada (ou difamada?) Inquisição continua agindo nos porões da sociedade. Contudo, pelo que parece, mais do que por católicos e evangélicos, na atualidade ela é controlada por um fundamentalismo multiforme e escorregadio, o qual, de acordo com as circunstâncias, é religioso ou ateu, social ou econômico, cultural ou racial...
Dom Redovino Rizzardo, cs
domredovino@terra.com.br
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