Wilson Matos da SilvaAo estudar a evolução das normas de direito indígenista brasileira, nos deparamos com uma sucessão de edição e revogação de Bulas, Breves, Cartas régias e famigerados Decretos. Segundo J. F. Lisboa, “Em relação aos índios, a legislação portuguesa foi uma série nunca interrompida de hesitações e contradições, Decretava-se hoje o cativeiro sem restrições, amanhã, a liberdade absoluta, depois um meio-termo entre os dois extremos. Promulgava-se, revogava-se transigia-se”. Em de Setembro de 1741, Benedito XIV, Expediu dentre várias, a famosa Bula confirmando os Breves de Paulo III e Urbano VIII, dentro desta Bula, de execração positiva e formal a qualquer espécie de violência, não havia como se vê, nenhuma disposição obscura nenhuma margem ao sofisma. E, contudo, a escravidão continuou a sua obra nefanda em que ainda o temor do inferno teve força de demover os prevaricadores enleados nas malhas da cobiça. “Os senhores a quem eram distribuídos índios, levavam crueldade a ponto de deitar-lhes pimenta nos olhos se adormeciam prostrados de fadiga”.Na carta régia de 13 maio de 1808, mandando ao governador de Minas Gerais, que fizesse guerra aos Botocudos, tal é a aspereza dos conceitos, tal a vivacidade da frase e tais os pormenores no aconselhar o extermínio, que nada distingue os processos preferidos então dos adotados pelo mais vigoroso ódio pessoal. É esta a impresão que fica na leitura desse triste documento em que assim fala o Governo: “desde o momento em que receberdes essa minha Carta deveis considerar como principiada contra estes índios antropófagos uma guerra ofensiva que continuareis sempre todos os anos na estação seca e que não terá fim senão quando tiverdes a felicidade de vos assenhorear de suas habitações todos os territórios infestados pelos índios Botocudos...” Mandou a Carta régia a cada distrito um comandante, cujos vencimentos seriam regulados pelo seguinte princípio: “Que terá mais meio soldo aquele comandante que no decurso de um ano mostrar não somente que no seu distrito não houve invasão alguma de índios Botocudos, nem outros quaisquer índios...” Depois desse convite direto à chacina remunerada, determina que os índios aprisionados sejam dados aos respectivos comandantes por dez anos e todo o mais tempo que durar sua ferocidade, podendo empregar em serviços particulares durante esse tempo e conservá-los com a devida segurança, mesmo em ferro. Para as almas egoístas, em que a avidez do lucro supera os impulsos da piedade, não podia haver mais sedutora delegação, pois a Carta régia teve ainda o cuidado de designar pelos nomes os seis comandantes a quem entregava essa nefanda tarefa. Testos Clássicos sobre o Direito e os povos indígenas Pg 35 a 40. Com esse mesmo espírito de opressão, velado sistematicamente pela exceção de alguns casos a exemplo da legislação hesitante e contraditória dos tempos atuais, em que diuturnamente tentam revogar os institutos normativos constitucionais pelos inimigos dos povos indígenas de plantão desde sempre. Nos meios jurídicos, as interpretações, vemos ainda maior aberração Jurídica, pelos mesmos inimigos de plantão. “Estudos aproximados falam que em um século (os anos 1500), foram exterminados quase 90% dos índios na América Latina, o que corresponderia a aproximadamente 80 milhões dos nossos antepassados . Isso ha 500 anos (os judeus foram 6 milhões ha 60 anos). Corresponderia a quantos índios nas proporções atuais? Quantos seríamos se não fosse esse holocausto? Como estaríamos? Perguntas ao vento...” Doutor Florêncio Vaz Antropólogo indígena Professor da UFB.O dia 27 de janeiro foi lembrado em diversas partes do mundo como o Dia do Holocausto, como é chamado o extermínio de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Certamente que esse genocídio em massa do povo judeu, na diáspora pela Europa, merece ser para sempre considerado como um dos exemplos da atrocidade humana no século que passou. Mas tivemos, bem mais perto de nós, um outro Holocausto e talvez até maior que a matança dos judeus. Refiro-me ao extermínio dos povos indígenas nas três Américas. Quem poderia contabilizar o total de índios mortos nas Américas do Norte, Central e do Sul em 500 anos da Conquista Européia? Civilizações inteiras foram praticamente riscadas do mapa. Culturas milenares, como dos Incas, foram dizimadas. Certamente o número de mártires do nosso Holocausto indígena ultrapassa em muito a cifra dos judeus mortos a mando do nazismo. Aqui, os “pogrons” de índios contaram não só com a passividade do Estado, mas em alguns casos com seu concurso direto, traduzido em armas e homens. Considerados “povos inferiores”, por terem uma cultura diferente e não comungarem com a visão mercantilista dos europeus que em tudo, via apenas a perspectiva do lucro imediato, foram escravizados e mortos. Sua coragem não podia fazer frente ao poderio bélico vindo com as caravelas. Dessa forma milhões deles foram mortos. Jornalista Eber Benjamim. É Índio Residente na Aldeia Jaguapiru, Advogado, Pós-graduado em Direito Constitucional, Presidente do (DDPI/MS) Comitê de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas de MS, Membro do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), E-mail wilsonmatos@pop.com.br