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FAMÍLIA ACOLHEDORA

"Não é meu, mas vou amar": há sete anos, casal de Dourados transforma vidas com acolhimento familiar

18 junho 2025 - 07h09Por Jessica Beatriz

O rádio estava ligado quando Rogério Santos da Silva ouviu pela primeira vez sobre o serviço Família Acolhedora. Ele e a esposa, que já ajudavam pessoas em situação de vulnerabilidade, não imaginavam que aquela notícia daria novo sentido à missão que já vinham cumprindo de forma informal. 

Foi uma cunhada quem lançou o desafio: “Vocês acolhem tanta gente, por que não fazem parte desse serviço?” A pergunta ficou. E o que poderia ter sido apenas uma experiência, se transformou em sete anos de dedicação a crianças e adolescentes que, em vez de serem levados a abrigos, encontram segurança em um lar de verdade. Um lar com afeto, rotinas familiares e cuidado.

Rogério e a esposa estão entre as primeiras famílias cadastradas no serviço em Dourados. São pais de uma jovem de 20 anos, que acompanhou cada acolhimento e viu a casa se tornar refúgio de vidas em reconstrução. 

No início, eles não conheciam ninguém que tinha feito isso antes. Foi tudo novo. Hoje eles são uma das primeiras famílias procuradas quando aparece um novo caso de acolhimento.

Ao longo desses anos, sete crianças passaram pela residência do casal. Entre elas, meninas vítimas de abuso sexual, crianças em situação de abandono, bebês recém-nascidos, dependentes químicos e adolescentes marcados por traumas profundos. 

“São crianças que são vítimas de abuso, de maus-tratos, de famílias viciadas. Então, precisam realmente de um cuidado especial. A gente tem todo um desafio de lidar com isso”, explica Rogério.

O primeiro acolhimento foi uma “prova de fogo”: uma menina indígena de 15 anos, com sérios transtornos psicológicos. “Ela ficou um tempo com a gente. Foi um desafio grande. Até hoje está em tratamento numa clínica”, lembra. 

Mesmo assim, ele e a esposa não pensaram em desistir. “Porque a gente aprende a amar essas crianças. Elas passam pela gente, e de certa forma, temos a missão de curar algo”.

Esse amor, segundo ele, é o combustível para continuar. “A gente tenta dar aquele afeto familiar mesmo sabendo que essa criança não é nossa. Eu costumo falar que é um amor incondicional. Não é meu, mas eu vou amar esse momento que está com a gente. Vamos cuidar, proteger. Nosso objetivo é que ela saia melhor do que chegou”.

Entre os muitos casos marcantes, Rogério destaca o de um menino de 10 anos, viciado em drogas.

Filho de mãe dependente química e pai assassinado, chegou à casa do casal apenas com um bermudão e drogas no bolso. “Tivemos que fazer todo um trabalho de reabilitação. Ensinar a ler, escrever, tudo. Mas, mesmo com o esforço, ele desistiu do acolhimento”.

Ainda assim, a história teve um desfecho feliz. O garoto foi adotado por outra família e hoje é jogador de futebol em outro Estado. “A gente tem contato com ele. É uma bênção. Vejo as fotos dele de antes e agora, e isso fortalece. A gente ficava triste por não ver resultado na hora, mas ver hoje como ele está… é isso que faz valer a pena”.

Outro caso que tocou profundamente o casal foi o de um bebê acolhido com apenas quatro dias de vida. “O umbiguinho dele ficou na minha mão enquanto eu trocava ele”, relembra Rogério. A criança foi retirada da genitora ainda na maternidade, por estar em risco. “A mãe era dependente química. Quando a gente sabe da história que está por trás, você vê que está protegendo essa criança”.

A separação, nesses casos, não é fácil. “A gente sofre. A gente sofre bastante”, admite. Rogério conta que até temeu que a esposa entrasse em depressão ao se despedirem do recém-nascido. Mas ele afirma, "apesar da dor, é uma missão. E somos felizes em ver como podemos transformar o futuro dessas crianças.”

Acolher não é adotar

Muitas pessoas confundem o serviço de acolhimento familiar com adoção. Mas são experiências distintas. O objetivo não é formar uma nova família definitiva, mas oferecer uma rede de apoio temporária até que a criança possa retornar à família de origem, ou seja, adotada por outra família.

Por questões de segurança, a família acolhedora não pode ter contato direto com os responsáveis legais da criança. Quando há permissão judicial para visitas, o encontro ocorre em local neutro, geralmente na sede do serviço.

Conforme informado pelo Dourados News, atualmente, Dourados conta com apenas três famílias ativas no Serviço Família Acolhedora, o que limita a possibilidade de atendimento em novos casos. Isso reforça a importância de novas adesões.

E para quem pensa em participar, mas tem medo da separação ou da dor, Rogério é direto: “Sim, com certeza eu recomendo. As pessoas pensam muito no sofrimento da separação, mas esquecem o quanto podem impactar a vida dessas crianças”.

Ele reforça que a experiência de acolhimento familiar é incomparável. “A família acolhedora é o mesmo serviço que o abrigo fornece. Mas a gente abriga num lar familiar. É único. É uma família, é uma criança. Então, a gente trata como um filho. Quebra traumas, rejeições. É completamente diferente de um abrigo coletivo”.

Para Rogério, o que acontece dentro de casa é só parte do que esse serviço representa. “É uma forma de transformar a vida de uma criança. Uma criança cheia de trauma, cheia de complexo, que poderia se tornar um adulto ruim, pode ser transformada por um acolhimento”.

Ele e a esposa são a prova viva de que não é preciso ser perfeito para acolher. É preciso estar disposto a amar, mesmo sem garantias de permanência. A entregar cuidado, mesmo sabendo que um dia vai dizer adeus.

Mas, nesse adeus, ficam sementes, e algumas delas já florescem. Como o menino que virou jogador. Como os primeiros dentinhos e passinhos que o casal teve o privilégio de acompanhar. Como o menino com o umbigo ainda cicatrizando, que encontrou carinho nos primeiros dias de vida.

Acolher, no fim das contas, é isso: transformar, ainda que por um tempo, a vida de alguém.

* Foto interna: Rogério Santos da Silva, que integra uma das famílias acolhedoras - Clara Medeiros/Dourados News

 

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