Entre os dias 07 e 20 de dezembro, serão realizados os eventos de lançamento da segunda edição impressa do primeiro Dicionário Kaiowá-Português (760p.), projeto que faz um inventário de mais de 6 mil verbetes, além de notas culturais e linguísticas, organizado pela professora Graciela Chamorro, docente da Faculdade de Ciências Humanas, da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
A obra lança luz sobre a visão de mundo dos povos Kaiowá, sua cultura, imaginação e pensamento e foi construída a partir de pesquisas e esforços de pesquisadores e pessoas indígenas e não indígenas.
O lançamento é realizado pela Editora Javali e ocorrerá no dia 07 de dezembro, às 19h (Horário de MS), com evento presencial em Dourados (MS), no Casulo Espaço de Cultura e Arte, e uma transmissão virtual no canal da Javali no YouTube , no dia 20 de dezembro, às 18 horas (Horário de Brasília). Em 09 de dezembro, a partir de 14h (Horário de MS), Chamorro ministra a palestra pública “O Dicionário Kaiowá-Português”, na Faculdade Intercultural Indígena (FAIND), localizada na Unidade 2 da UFGD (Cidade Universitária).
Nascida no Paraguai, Graciela Chamorro tem como língua materna o guarani e paterna o espanhol. Vivendo no Brasil desde 1977, iniciou sua interação com as comunidades Kaiowá e Guarani em 1983, quando chegou a Dourados, no Mato Grosso do Sul. Suas pesquisas acadêmicas, pessoais e artísticas têm especial interesse nos povos e línguas indígenas, em especial os Kaiowá. Em 2017, após o contato da professora com Assis Benevenuto, fundador e editor da Javali, uma editora especializada em obras de teatro e cinema, surgiu a ideia de transformar a pesquisa em um livro concreto.
Em 2022, uma primeira versão digital foi lançada e disponibilizada gratuitamente no site da Editora Javali, com apoio do programa Rumos Itaú Cultural 2019-2020. Em 2023, a primeira edição impressa do Dicionário Kaiowá-Português foi publicada em Belo Horizonte. Agora, em 2024, chega ao público uma nova edição, ampliada e em capa dura, financiada pelo Fundo de Investimentos Culturais (FIC), da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS).
Para Graciela e Assis, o dicionário vai ao encontro de uma demanda atual da sociedade Kaiowá e, em particular, de docentes e discentes que usam e ensinam/estudam a língua, apresentando-se como uma obra de apoio para a reflexão e a produção de material na língua, sobretudo para que as novas gerações tenham acesso às diversas expressões do saber de seus antepassados Kaiowá, dentro e fora do contexto escolar.
Como explica Chamorro na apresentação da obra, “toda escrita é uma tentativa de representação da língua, ela possui hábitos e regras que são frutos de convenções ou que devem ser convencionados. Para convencionar, é preciso a participação de quem vai utilizar funcionalmente a modalidade escrita da língua, no caso do kaiowá, as professoras e os professores das escolas, estudantes e demais profissionais ou pessoas que usam a versão escrita da língua.”
A professora e organizadora da publicação enfatiza ainda que, “a língua kaiowá, por não ter ainda uma escrita convencionada, tem sido escrita à base da intuição de quem escreve, seguindo os conhecimentos gramaticais disponíveis da língua ou os parâmetros estabelecidos por línguas irmãs, que dispõem de um sistema de escrita convencionado. Na prática, o kaiowá tem sido escrito pelo alfabeto do guarani paraguaio ou como o fazem os linguistas do SIL na tradução da Bíblia, que tem sua referência local na Missão Caiuá”.
Pensado também como uma forma de preservação da memória e de difusão da percepção de mundo dos Kaiowá, o Dicionário contou com um time de colaboradores composto por professores universitários das áreas da linguística, lexicografia, história, antropologia, línguas originárias; e por indígenas Kaiowá, cujos notórios saberes foram fundamentais para a construção da obra. Alguns desses participantes são referências religiosas, culturais e políticas kaiowá, já outros, possuem uma trajetória escolar e acadêmica.
De acordo com Graciela Chamorro: “Nesta segunda edição impressa, ampliamos a participação de falantes que não pertencem ao Ka’agwyrusu [Ka’agwy “mata” e rusu “densa/o, grossa/o”. Trata-se da “mata grossa” que cobriu até metade do século XX, boa parte do antigo sul de Mato Grosso], pois percebemos também a demanda de um vocabulário menos conservador de parte de usuários da edição anterior; no dicionário, isso significou a inclusão de novos verbetes, de empréstimos e de novas acepções e remissivas, que foram feitos com um grupo de docentes e estudantes Kaiowá e Guarani que colaboram na elaboração do Dicionário Escolar Kaiowá. Empréstimos iniciados pelo F e pelo L, que não constam no abecedário Kaiowá, nos obrigaram a abrir duas seções com essas letras. Fizemos uma inclusão exaustiva de metáforas que relacionam o corpo humano à casa e ao meio ambiente, bem como de novos grafismos”.
Chamorro explica também que uma das mudanças no interior dos verbetes relativos a seres vivos foi a inclusão de seus nomes científicos. “Considero que a inclusão do Vocabulário Português-Kaiowá, preparado pelo colega Jorge Domingues Lopes, seja a mais relevante inovação desta edição, pois ele possibilitará a não falantes do Kaiowá encontrar a/s palavra/s de entrada em Kaiowá que deseja pesquisar”, conclui.
Estiveram presentes no desenvolvimento do projeto: a prof. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral (UnB) como Diretora de Linguística de Línguas Tupi-Guarani; o prof. Andérbio Márcio Silva Martins (UFGD) como Diretor de Linguística da Língua Kaiowá; o prof. Jorge Domingues Lopes (UFPA) como Diretor de Tecnologia e Lexicografia de Línguas Indígenas; e mais de 25 colaboradores indígenas. A publicação contém ainda ilustrações realizadas pelo desenhista Kaiowá Misael Concianza Jorge; mini-biografias e fotos dos/as colaboradores/as Kaiowás; textos de apresentação e o texto “Um esboço gramatical da língua Kaiowá”, escrito por Ana Suelly (UnB) e Andérbio Martins (UFGD). O design gráfico é do mineiro Vitor Carvalho.
SOBRE A AUTORA
Graciela Chamorro nasceu em Concepción, no Paraguai e reside no Brasil desde 1977. Estudou Música e Teologia no Recife, no Rio de Janeiro e em São Leopoldo; História em São Leopoldo. Desde 1983, tem incursões no mundo indígena. Depois de anos de docência, em instituições eclesiásticas e universitárias, no Brasil – no âmbito da História, da Linguagem, da Música e da Teologia – foi para Alemanha (1999), onde continuou na mesma área de pesquisa e docência. Fez um Pós-Doutorado em Romanística, na Universidade de Münster. Retornou ao Brasil no final de 2005 e atualmente é Professora aposentada de História Indígena na Universidade Federal da Grande Dourados. Na maior parte de sua produção bibliográfica convergem os resultados de sua pesquisa no âmbito da religião, da língua e da história dos povos “guarani” chamados históricos e dos contemporâneos; assim como a crítica ao expansionismo cristão e os impulsos da teologia feminista e intercultural. Há alguns anos criou um centro cultural na cidade de Dourados, o Casulo – Espaço de Cultura e Arte, onde acontecem oficinas, cursos, feiras, apresentações de teatro, música, dança, performances e culturas indígenas.