Deflagrada há um ano contra supostas fraudes licitatórias na Câmara de Dourados, a Operação Cifra Negra segue sem desfecho judicial, mas já provou mudanças na rotina de políticos do município. Os três vereadores presos no meio da tarde do dia 5 de dezembro de 2018 estão soltos, retomaram os cargos, mas só estão autorizados pela Justiça a frequentarem o Palácio Jaguaribe simultaneamente e manter contato entre si para atividades de mandato.
Os parlamentares Cirilo Ramão Ruis Cardoso, o Pastor Cirilo (MDB), Idenor Machado (PSDB), e Pedro Pepa (DEM), além do suplente Dirceu Longhi (PT), são só quatro dos 27 réus denunciados pelo MPE-MS (Ministério Público Estadual).
Servidores públicos, empresas e empresários também integram o polo passivo de processo que acusa corrupção em contratos do Legislativo e pede que R$ 5,6 milhões sejam devolvidos aos cofres públicos municipais.
Coordenada pela 16ª Promotoria de Justiça de Dourados através do promotor Ricardo Rotunno e pela 2ª Delegacia da Polícia Civil por meio do delegado Francis Flávio Tadano Freiree, a Operação Cifra Negra cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos pelo juiz Luiz Alberto de Moura Filho, da 1ª Vara Criminal da comarca.
DENÚNCIA
Conforme trecho da denúncia feita pelo MPE e aceita pela Justiça, “entre os anos de 2010 e 2018, sobretudo no âmbito da Câmara Municipal de Dourados”, os denunciados “integraram organização criminosa (associação estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, diretamente, vantagem patrimonial, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas são superiores a 4 anos), frustrando ou fraudando, por oito vezes, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”.
Mesmo antes de desfecho judicial, os vereadores implicados nessa acusação já foram submetidos a julgamentos pela própria Câmara Municipal, que instaurou comissões processantes e levou a plenário denúncias de quebra do decoro parlamentar. Todos foram absolvidos pelo Plenário da Casa de Leis, que não totalizou os 13 votos necessários para eventual cassação.
DEFESAS
Nessa apuração interna do Legislativo, a defesa de Idenor Machado alegou que nas contratações denunciadas pelo MPE ele “apenas cumpriu seu papel de Presidente, o de homologar os certames, nada tendo feito para que essa ou aquela empresa se sagrasse vencedora nos certames”, e que “pela qualidade comprovada dos serviços não há que se falar em dano ao erário, não tendo havido contratações ‘fantasma’”.
Idenor acrescentou que “o fato dos sócios de empresas que venceram as licitações terem estreita ligação entre si, numa espécie de grupo econômico, se utilizando disso para contratar com várias Câmaras Municipais de Mato Grosso do Sul, inclusive com a de Dourados, nada tem o Denunciado com isso, pois ele apenas homologou os processos licitatórios, processos esses que passaram pela equipe técnica da Câmara e estes não evidenciaram nenhuma irregularidade”.
O advogado de Pedro Pepa alegou “vícios nas provas apresentadas pelo Ministério Público Estadual e Eleitoral”, pontuou que “todas as testemunhas atestaram que o Denunciado sempre teve conduta digna e comprometida com o bem público”, e que “a denúncia nada alega a respeito do recebimento de propina pelo Denunciado paga pela Empresa Quality, a não ser a denúncia do VIPE, tendo, após 3 (três) anos de investigação seu nome aparecido em um único momento”.
Pepa acrescentou que “as investigações foram iniciadas no ano de 2012, portanto impossível dizer que se trata da Mesa Diretora de 2015, onde o Denunciado exercia o cargo de 2º Secretário”.
Os mesmos argumentos foram apresentados por Cirilo Ramão, que detalhou terem as investigações sido iniciadas no ano de 2012, “portanto impossível dizer que se trata da Mesa Diretora de 2015, onde o Denunciado exercia o cago de Vice-Presidente”.
AFASTAMENTOS
Desde a que a operação foi deflagrada, Cirilo, Idenor e Pepa foram presos e afastados dos cargos em outras ocasiões, acusados de infringir medidas cautelares impostas pelo Judiciário. Somente em novembro a 1ª Câmara Criminal do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) esclareceu dúvida que impedia os vereadores de frequentarem a Câmara simultaneamente por receio de novas prisões, já que estavam proibidos de manterem proximidade entre si ou com testemunhas arroladas no processo da Cifra Negra.
Seguido pelos demais desembargadores, o voto do juiz José Eduardo Neder Meneghelli, relator em substituição legal, o acórdão da Corte detalhou que “Pedro e Cirilo Ramão poderão, somente durante as sessões legislativas, manter contato com demais investigados/denunciados, testemunhas e funcionários da Câmara de Vereadores, sempre em local público e no estrito exercício da atividade parlamentar”.
“Ou seja, para que os embargantes possam exercer a atividade parlamentar a qual foram eleitos (e não consta tenham os respectivos mandatos sido cassados), podem manter contato com terceiras pessoas, mas apenas e tão somente durante as sessões legislativas, no efetivo exercício do mandato de vereador”, pontua.
A decisão do TJ acrescentou que “esses contatos somente poderão ser realizados em público, sendo vedado qualquer outro tipo de contato particular, seja em gabinete ou em outros recintos; seja por telefone ou fora das atividades legislativas”.