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Diretor de arte de O observador de pássaros concede entrevista exclusiva ao Dourados News

18 setembro 2007 - 07h08


A reportagem do Dourados News esteve em uma fazenda em Dourados, onde serão feitas em breve as gravações de algumas cenas do filme “O observador de Pássaros”, que está sendo gravado no campo e na aldeia Bororó. Na fazenda, entre uma arrumação de cenário e outra, Clóvis Bueno, cenógrafo e diretor de arte conhecido mundialmente, nos permitiu gravar uma conversa descontraída sobre o filme e sua vida iniciada no teatro e hoje como diretor de arte.

Clóvis Bueno é paulista, nascido em 1940. Atuou como cineclubista e realizou documentários. Iniciou sua carreira como cenógrafo e tem em seu curriculum produções nacionais e internacionais do cinema, como: "Castelo Rá-tim-bum", "Carandiru", "Luz, cama, ação!", "Pixote, a lei do mais fraco", "Cafundó" e "O homem que desafiou o diabo".

Leia abaixo, na íntegra, o bate papo da repórter Juliana Oliveira com o diretor de arte Clóvis Bueno.

Pergunta - Gostaria que você me contasse, Clóvis, um pouquinho da sua vida, desde que começou a sua carreira até como você chegou aqui, no filme “O observador de Pássaros”. Você começou como cenógrafo e como foi essa passagem pra diretor?

Clóvis Bueno - Eu sempre fiz isso eu acho. Eu sempre fui envolvido com a arte assim, eu nunca fui especificamente cenógrafo ou diretor de arte ou figurinista, mas eu sempre estive envolvido com a arte desde criança assim, eu tocava piano no rádio, eu fazia teatro de fantoche, e sempre fui metido a fazer essas coisas. Quando eu saí de casa fui pra São Paulo fazer engenharia, mas na engenharia eu conheci pessoas que faziam teatro, aí já no segundo ano de engenharia eu comecei a trabalhar como ator, profissionalmente, eu entrei para o auge do teatro de oficina, o teatro de arena. A minha escola inicial foi o teatro mesmo, eu fiquei mais de 10 anos fazendo teatro. Primeiro como ator, depois como cenógrafo e depois como diretor. Comecei como ator fui levado por um amigo que fazia engenharia também, e foi ele quem me levou para o teatro de oficina. Isso era começo dos anos 60, em uma época de muita efervescência no meio artístico, antes do golpe militar, que tinha o sonho socialista, que tinha uma efervescência assim principalmente do movimento estudantil. E com o movimento do teatro, eles trabalhavam muito junto, fazia muito um teatro político, um teatro ativista, depois com o Fernando, o grupo decisão, e sempre como ator, trabalhando como ator. Eu sempre me interessei pela retaguarda, por fazer o espetáculo mesmo. Eu fiz cenografia. Aquele tempo não existia diretor de arte, era cenário e figurino, tanto no cinema quanto no teatro era assim, quem fazia cenário, fazia figurino. Eu fui bem sucedido como cenógrafo e figurinista, fiz diversas peças com a Cacilda Béquer, com o Decisão, e depois acabei dirigindo um espetáculo com a Marilia Pêra, que é o “Fala Baixo Senão eu Grito”.
Essa peça provocou uma mudança muito grande na minha vida aquela época. E daí já tinha havido o Golpe Militar, em 64, depois de 64 eu tive que sair da faculdade, todo mundo ficou fugido, tive que sair da faculdade, e entrei para o teatro direto. O Fala Baixo Senão Eu Grito foi em 69, foi logo depois do Ato Institucional, que mudou muito a vida do país. Porque, até em 69 a gente brincava de fazer passeata, fazer protesto, de jogar bomba na porta do “O Estado de São Paulo”, e depois de 69 a coisa engrossou mesmo né. Eu estava na direção do “Fala Baixo Senão Eu Grito”, que fez muito sucesso, ganhou o Prêmio Mulher e tudo, e me rendeu inclusive uma viagem para a Europa. Eu era casado com a autora da peça, a Leila Assunção, e a peça ficou três anos em cartaz, eu estava com dinheiro no bolso, passagem na mão e fiquei três anos na Inglaterra e na França. Isso mudou muito a minha cabeça, então eu saí desse sufoco político aqui e encontrei na Inglaterra o auge do Rock in Roll, da revolução Hippie, isso não tinha chegado aqui ainda e eu caí de joelho, caí de boca. Quando eu cheguei no Brasil, nos anos 70, eu tinha outra cabeça e não tinha mais cabeça para fazer coisa de teatro. Mas aí já tinha um certo prestigio em ter dirigido coisas de sucesso e ainda fiz algumas coisas, eu estava muito louco assim, fiz umas peças que não deram certo, que interessava a um publico muito restrito...

Pergunta - Isso por conta até de já ter vindo com uma outra mentalidade não é, você já tinha uma outra visão sobre o teatro e o mundo...

Clóvis Bueno - É, e por conta disso mesmo que nada tava dando certo. Eu fique outsider eu fiquei uns três ou quatro anos “fora da terra”. E eu fiz esses espetáculos que não deram certo. Fiz uma motocicleta para ir aos Estados Unidos de motocicleta e acabei sendo preso no meio do caminho, voltei, comprei uma Kombi, fiquei dois anos viajando de Kombi, fui até o Alaska. Quando eu voltei desta aventura toda, eu resolvi fazer cinema. Conhecia muita gente da área, diretor de teatro e tal, tinha contato com todo mundo, o Edson, meu amigo, que iria fazer o primeiro filme dele, me convidou e fizemos o “Luz, cama, ação!”, que era o tempo da pornochanchada. Quase tudo no cinema brasileiro que era comercial tinha um pouco de sexo, um pouco de humor, o que se chamou de pornochanchada. Esse foi o primeiro filme que eu fiz, por volta de 73/74 por ai.

Pergunta - Depois disso você voltou para o teatro? Ou passou a fazer exclusivamente cinema?

Clóvis Bueno - Esporadicamente eu faço teatro, mas é muito pouco, por uma questão política mesmo, são grupos diferentes, tudo mais diferente, e eu comecei a fazer cinema. Eu trabalhei muito com o Gerson Valadão, e sobretudo fazíamos filmes mais comerciais mesmo. O mais sério que eu fiz assim, foi, primeiro com Jorge Duran, “A cor do seu destino”, depois em fim de 79, eu fiz o “Pixote, a lei do mais fraco,” que foi assim o primeiro filme que eu fiz com o coração, e com a alma mesmo. Um filme que foi muito importante pra mim.

Pergunta - Por que o filme Pixote foi diferente? Por que ele não estava ligado à questão comercial?

Clóvis Bueno - Porque também o cinema brasileiro estava mudando, a pornochanchada já tinha se esgotado também. Porque quando eu fazia teatro, era o cinema novo que existia, até o fim dos anos 60. eu conhecia muito o pessoal do cinema novo, mas eu não fazia. O pessoal do arena é tudo ligado ao cinema novo, de arena, o Paulo José, Inês Sati... Eu comecei a fazer cinema, já tinha acabado o cinema novo, tava na pornochanchada, e depois do Pixote, já tinha acabado a pornochanchada, porque ela teve vida curta mesmo né, foi apenas uma retomada do cinema brasileiro. O cinema novo morreu junto com a ditadura, e ainda teve uma sobrevida ainda, um tempinho, e depois acabou sumindo mesmo. A pornochanchada assumiu as rédeas do cinema brasileiro, porque era um cinema comercial, não falava mal de ninguém, só tinha que ter cuidado até onde poderia mostrar um peitinho a mais, ou uma bundinha a mais. Podia mostrar só um peitinho e o outro não podia né (risos) era uma coisa assim.
Eu acho que o “Pixote” coincide com uma mudança minha e do cinema. De certa forma foi uma época de fim de anos 70 e foi uma retomada do cinema brasileiro no que diz respeito a identidade, assim essa coisa militar ainda existia forte, mas a coisa estava começando a afrouxar, já dava para negociar e fazer uma coisa assim. O filme “Pixote” também mudou a cara do cinema brasileiro.

Pergunta - Você disse que a função de “diretor de arte” não existia quando você fazia cinema. A partir de quando você passou a assinar por esta função?

Clóvis Bueno - Só existia a função de cenógrafo e figurinista, eu nunca tinha trabalhado com um figurinista, sempre fui eu o figurinista, foi só a partir do “O beijo da mulher aranha” que foi lá pelos anos 80, aí foi a primeira vez que eu assinei como diretor de arte. Daí tinha um cenógrafo, um figurinista e um diretor de arte. Eu acho que eu fui o primeiro brasileiro assim, que assinou como diretor de arte, porque no Brasil isso não existia ainda, é porque no “O beijo da mulher aranha”, tinha uma posição mais americana.

Pergunta - Como que é para você essa questão do processo criativo? Nesta posição de diretor...

Clóvis Bueno - Isso é o cinema que adotou, essa questão do crédito de diretor de arte e não mais cenógrafo, na verdade não muda muita coisa. É que assim, eu de certa forma, no reconhecimento, do cenógrafo e figurinista, são duas funções assim mais específicas, entende? A pessoa que cuida do cenário e a que cuida do figurino. De certa forma, o diretor de arte ele vai um pouco além disso, ele consegue ver o visual do filme, ele não vê somente o cenário. O filme pode não ter cenário nenhum, pode se passar todo no deserto. Sem nenhuma construção, sem nenhuma decoração, mas mesmo assim existe o diretor de arte, que define se as dunas são assim, mais perto, é mais seco, mais agressivo, mais doce, enfim. O diretor de arte ele tem mais a concepção visual e estética que tem a ver com emocional, que tem a ver com tudo. É claro que isso depende do diretor, depende do produtor, de ter uma vontade de ser assim. O diretor de arte, o fotógrafo e o cenógrafo é o tripé do filme, que conseguem junto a cor do filme, a emoção do filme. É claro que aí depende da liderança de cada um, da harmonia que existe, ou não. Tem filme que o diretor assume uma posição mais autoritária, às vezes ditatorial até, às vezes mais democrático. Mas isso depende do pessoal, da equipe, às vezes a gente faz um filme batendo a cabeça, acontece. O cinema é um circulo de vaidades, todo mundo quer botar o seu ego para fora, às vezes isso ocorre com harmonia e às vezes ocorre com conflito, tem até bons filmes que ocorrem com muito conflito.

Pergunta - E  neste filme, “O observador de pássaros”, você é o diretor de arte. Quem é o figurinista e o cenógrafo?

Clóvis Bueno: A figurinista é a Valéria, e neste filme não tem necessariamente um cenógrafo, tem o João Bueno, meu filho, que ta trabalhando como meu assistente, e esta começando a assumir esta função, mas não tem, porque depende do filme. “O observador de pássaros” não tem um cenário complexo que necessite de uma pessoa que se dedique exclusivamente a isso.

Pergunta - Clóvis, você falou da sua vida como diretor. E onde você busca inspiração para este trabalho, que é um trabalho bem detalhado onde tudo tem que ser bastante harmônico. Onde você busca inspiração para isso?

Clóvis Bueno - Ah, assim como em tudo, e na arte em particular, não existe uma regra ou um critério ortodoxo, de como devem ser as coisas. Para mim as coisas podem ser de todas as maneiras possíveis. Há infinitas maneiras de se fazer uma obra prima né, você pode pesquisar, programar, projetar, ou então não fazer nada disso, você pega uma tela e uma tinta e começa a pintar. Assim, cada diretor de arte tem um jeito de se fazer as coisas, depende da personalidade, da formação, de um monte de coisa. Como eu tenho uma formação muito eclética, pianista, figurinista, é diretor de arte, sai da engenharia para fazer teatro. Nos anos 70 mesmo teve um período que eu larguei tudo e fui tocar Rock in roll (risos) eu sempre fui muito ligado a música e sempre fui muito avesso ao processo cientifico de se fazer a coisa. Cada um é muito particular e eu tenho essa particularidade né. Eu não sou muito da pesquisa, do projeto, pra mim fazer é o ato de fazer, é igual pintar o quadro. Você pode fazer projeto, mil croquis, ou você pode botar a tela na sua frente e sair pintando. Eu sempre fui mais assim, de ir lá e pintar a tela. O cinema brasileiro em particular, ele é sempre meio deficiente em produção, porque a gente precisaria ter muito mais, pra fazer as coisas que a gente desejaria fazer. A gente nunca tem nem a metade. Às vezes é uma perda de tempo, porque a gente vai ficar pesquisando, projetando, e aí você descobre que precisa na cena de uma mesinha que é referencia, só que a mesinha custa 30 mil dólares e você só tem US 1,00 então tem muita coisa da adaptação. Você criar a partir das coisas que existem... Se você pode ter um tapete persa no chão você tem, se você não puder, pega um pedaço de pano, pinta e põe no chão, e às vezes sai melhor até. Eu acho que a necessidade da adaptação é um símbolo até para a criação.

Pergunta - O cinema brasileiro tem histórico neste tipo de dificuldade não é? De patrocínio, de acesso a algumas coisas...

Clóvis Bueno - Sabe, pensando bem nesse ponto, até tem melhorado muito, quando eu comecei a fazer cinema eu praticamente fazia tudo. Eu pintava, bordava, arrumava prego, carregava Kombi, fazia de tudo. Mudou o cinema e mudei eu também, que me dou mais ao respeito, tem certas coisas que hoje eu não faço, eu gosto de colocar a mão na massa, mas também não vou ficar carregando peso, porque tem um limite.
Fora isso o cinema conseguiu melhorar, hoje a gente tem um pouco mais de condições, tem equipe mais completa. Antes trabalhávamos eu, o assistente e o contra-regra. Hoje eu posso ter um cenógrafo, um figurinista, um assistente, um assistente que faz construção, outro que faz projeto, atualmente a gente tem uma assistência profissional mais elaborada, porque é uma necessidade até da concorrência. A gente não pode ser tão precário como era antes. O cinema antes nos filmes musicais que eu adoro, com Oscarito, Grande Otelo, tinha coisas muitos boas, mas havia coisas muito precárias, às vezes faziam paredes de telões de pano, o cara batia a porta e tremia tudo. Atualmente a gente não pode se permitir fazer mais isso. Tem que ter uma qualidade cada vez melhor.

Pergunta - Dos trabalhos que você fez, desde o teatro até o cinema, antes como ator e agora como diretor, quais assim que mais você gostou, ou que mais te envolveu por um motivo ou por outro?

Clóvis Bueno - Tem dificuldade, mas se não for assim, a gente nem faz. Eu posso esta fazendo o filme mais medíocre. Mas sempre tento achar que aquilo possa ser uma obra prima, eu sempre tento achar que aquilo possa ser bom. Eu tenho carinho por diversos filmes que eu fiz, como o “O beijo da mulher aranha”, “Pixote”, “O Carandiru”, o “A hora da estrela”. Mas eu tenho um carinho especial pelo “Cafundó”, que foi um filme que eu dirigi, e eu consegui colocar tudo o que eu tinha pra fora. Eu fiz o roteiro, eu dirigi e fiz toda a concepção do filme.

Pergunta - Sobre o “O observador de pássaros”, porque a escolha desta região para fazer a filmagem do filme?

Clóvis Bueno - Bom, eu não participei desta fase do filme. Quando eu cheguei já estava definido isso, já estava decidido. Mas pelo que eu tenho conversado com o Marcos, ele não iria nem fazer este filme, me parece que ele tinha um outro projeto, que era um assunto de indígena e tudo, mas não se passava aqui, era na Amazônia, e viajando para Roraima. Eu não sei porque cargas d’água ele veio aqui e teve contato com os Caiuás, e com o drama. Toda nação indígena tem um drama particular, os Caiuás tem também. Ele teve contato com isso, se apaixonou, conheceu pessoas aqui, e se apaixonou por esse negócio todo, e mudou de idéia e resolveu fazer o filme aqui. Eu acho que Dourados está ligado à própria comunidade indígena que existe aqui.

Pergunta - O filme “O observador de pássaros” é uma espécie de re-leitura da obra “O Guarani”?

Clóvis Bueno - Eu não sei da gênesis do roteiro, mas ele tem certamente uma inspiração nisto. Na relação do branco com o indígena. É que é diferente, em Peri e Ceci, a história toda é concentrada nesse casal, é meio Romeu e Julieta. É algo clássico da literatura mundial, mas tem sim essa releitura do “O Guarani”.

Pergunta - Quanto aos atores. Existem atores locais trabalhando no filme, como que foi a escolha dos indígenas e não indígenas douradenses que estão participando?

Clóvis Bueno - Também tem atores indígenas locais. Foi uma opção do diretor do filme mesmo, não tem, vamos dizer, um branco fazendo indígena, os personagens indígenas são feitos por indígenas e os não indígenas por não indígenas, a verdade é isso.

Pergunta - Mas tem tanto brancos quanto indígenas douradenses contracenando no filme? Como foi a escolha?

Clóvis Bueno - Tem sim, tem dois italianos, um é o Cláudio Santa Maria e o outro é o “Quiara”, Isso foi um trabalhão, faz tempo que eles estão fazendo oficina, laboratório. Mas a coisa de ser ator é muito relativo, instintivamente, todo mundo é ator. A gente representa o tempo inteiro. A gente às vezes não gosta de uma pessoa e faz cara de bonzinho, estamos sempre representando um pouco. Essa é uma qualidade inata no ser humano. O ator profissional ele tem um repertório maior de truques, ele trabalha a voz, ele sabe como controlar sua emoção, ele tem uma técnica especifica que o não ator não tem. Mas, em compensação, o ator profissional ele vem muitas vezes carregado de vícios. Eu já fiz vários filmes com essa temática indígena e na hora, cadê o ator indígena, não existe. Teve filme que já mesclaram o Stênio Garcia fazendo o cacique, tinha outros atores que misturaram. Mas sempre buscam um tipo bem brasileiro, eu mesmo já representei um índio (risos) eu tenho um tipo tipicamente brasileiro. Aqui, no caso, é uma particularidade que tem Dourados. Eu acho que posso dizer que eu conheço muito bem o Brasil, por fazer filmes, tenho viajado muito por todo o Brasil, e tem lugares, por exemplo em Roraima, os Ianomâmis, fiquei um tempo com eles, e eles são o que se pode dizer de intactas. Bom intacta não é, mas talvez a que mais conserva a cultura, onde existe a cultura de verdade. Às vezes viajo para outros lugares, e encontro a coisa dos desaculturados que é uma coisa muito grande, mas eu nunca vi tantos assim. Em Dourados tem uma concentração muito grande de diversas etnias,  então não tinha necessidade de trazer pessoas de outros lugares, na verdade essas pessoas são os seus próprios personagens.

Pergunta - Depois do "O observador de Pássaros", tem já alguma coisa engatilhada ou que você queira fazer? Ou você vai fazer outra moto e ir para os Estados Unidos novamente (risos) ?

Clóvis Bueno - Cinema é sempre uma caixa de surpresa, talvez eu vá fazer outra moto (risos), é uma idéia boa. A gente sempre tem projetos, mas nunca sabe o que vai ser. Eu tô saindo daqui, nem vou até o final do filme, porque eu já tinha compromisso, vou fazer uma parte de “O incrível Hulk”. No Rio, estão filmando no Canadá, e depois vem pro Rio agora. Sempre tem projeto mas a gente nunca sabe, às vezes a gente diz "ah, vou fazer um filme agora", mas ele só acaba saindo daqui a três anos. Uma das maiores dificuldades dessa profissão é essa, é poder planejar sua vida, porque a gente nunca tem certeza de nada. Estou trabalhando em um projeto meu, vou dirigir um outro filme, não sei quando...

Pergunta - E como vai se chamar esse outro filme seu?

Clóvis Bueno - Se chama “No fim todo mundo morre”. Mas eu estou trabalhando no roteiro ainda, vou mexer com a produção aos poucos.

Pergunta - E o filme do Hulk?

Clóvis Bueno - Ah, é desses filmes americanos que a gente só faz pra ganhar dinheiro! Porque a gente não participa do projeto, eu sou o diretor de arte brasileiro, o filme já está sendo filmado há três meses, no Canadá, uma parte do exterior eles vão gravar em favelas brasileiras. Neste caso eu sou mais um cumpridor de tarefas, não sou um diretor de artes mesmo. Mas é bom que ganha bem. A gente faz com bom humor e tudo, mas não participa da criação.

Pergunta - Que tipo de trabalho relacionado ao cinema que mais te satisfaz?

Clóvis Bueno - Eu não tenho nada contra o que eu faço como diretor de artes, talvez por isso que eu tenha ficado tanto tempo como diretor de artes, eu acho que talvez eu seja o mais veterano no Brasil, já fiz mais de 50 filmes. Isso porque eu comecei a fazer cinema muito tarde, depois que eu já tinha tido muitas experiências, teatro, viajei, pirei, casei, descasei, fiz tudo isso, e quando eu comecei a fazer diretor de arte eu não tinha mais... porque no teatro eu tinha uma ambição, eu queria ser diretor de teatro. Então eu fiz a carreira, eu fui diretor, fui cenógrafo, produtor, até fazer o que eu queria. E vi que, na verdade, tanto faz. Dirigir tem coisas que são boas mas tem certas coisas que você é o cara, que manda e tal. Ser diretor de arte tem um certo conforto nisso, eu tenho um campo de criação grande e posso fazer mais ou menos o que eu quero, mas não tem tanta responsabilidade nisso. Se não der certo eu saio voando, não tem problema nenhum. Eu já saí voando de alguns filmes (risos) mas assim, dirigir um filme, dirigi um há pouco tempo, dois anos atrás, foi pra mim um prazer tão grande, e eu não tive esse problema de “exercer a autoridade”, de falar 'agora é a minha vez de mandar', de decidir, o azul é feio, o amarelo é bonito. Não! Pra mim dirigir foi um prazer enorme. Eu fiz dando risada, todo mundo né dando risada. Não tinha ninguém pra me dar nenhuma restrição, vamos dizer assim.

Pergunta - Se o Clóvis Bueno não fosse diretor de arte, não fosse ator, não fosse cenógrafo, o que ele seria na vida?

Clóvis Bueno - Eu seria um pianista de um cabaré qualquer (risos).

Pergunta - Há uma relação muito forte entre você e a música...

Clóvis Bueno - Quem fez a música do Cafundó foi o André Abujamra, e é muito engraçado que ele falava depois que eu cheguei lá no estúdio pra falar com ele, e eu fiquei cantando a música do filme inteira... “bó-bó-bó, bu-bu-bu...”

Pergunta - Quanto às filmagens, vai até quando? E será somente aqui, ou tem outros lugares que serão utilizados para que o filme seja produzido?

Clóvis Bueno - Não, é só aqui, mas deve ir até meados de outubro por aí. Eu estou saindo antes, porque já fazia parte da minha combinação, estarei aqui até mais ou menos dia 20, e depois vou fazer o Hulk, e aqui fica o João e a Mônica tomando conta. Mas a parte de intervenção principal a gente já filmou, a ultima intervenção mais radical é esta cena na fazenda.

Pergunta - Foram feitas gravações dentro das aldeias Bororó e Jaguapiru?

Clóvis Bueno - A gente filmou em uma aldeia só, foi lá na Bororós, mas eu não me lembro o nome do grupo, porque dentro da aldeia tem muitos grupos. Tem coisas assim, que é no rio, na mata, na lavoura, tem diversas coisas no campo ainda pra ser filmado.

Pergunta - Tem algo neste filme que te chamou a atenção mais que nos outros? O que há de diferente ou interessante neste?

Clóvis Bueno - Não sei, é que cada pessoa que faz o mesmo filme tem emoções diferentes. Eu já trabalhei muitas vezes com o produtor deste filme, então eu tenho uma relação muito boa de confiança. Essa coisa da equipe é muito boa, e dá prazer em trabalhar. O filme em si, como todo filme, tem uma ótica muito particular. É um cinema meio contemplativo, que da importância a estética da forma... eu espero ter acertado, mas tenho essa coisa mais do intuitivo. Eu acho que nesse caso isso é bom, porque se eu fosse mais metódico, a gente iria filmar só no ano que vem. Acho que ele (o diretor do filme) precisava de alguém que fosse chutando pra frente, e foi isso que eu fiz.

Pergunta - Teria uma cena de um suicídio por enforcamento, feito por indígena e tudo mais. Já foi gravada esta cena, ou não?

Clóvis Bueno - Na verdade eu nem sei mais se vai ser feito ou não, é um assunto muito delicado. Temos medo de ser grosseiros, de ferir as pessoas. Não se resolveu como fazer isso, ou como assumir isso. A questão é verdadeira, existe todo dia no jornal, eu fico impressionado, leio no jornal, e todo dia tem um caso desse, não só de enforcamento, mais de violência mesmo. São sintomas de uma tragédia, de uma tragédia que existe. Mas uma outra coisa é você colocar na primeira pagina, daí é chocante. Este não é um filme que está denunciando nada, é mais um filme de amor mesmo, de pessoas que vivem em circunstancias diferentes. Da menina que é fazendeira, que tem tudo o que quer, e um índio que vive no meio desta tragédia. Está longe de ser um filme assim, policial, vamos dizer, não é esse o filme, é um filme mais contemplativo.

Pergunta - Quer comentar algum assunto que ainda não foi abordado antes de encerrar a entrevista?

Clóvis Bueno - Bom, só queria dizer que cada filme é um filme, tem seus defeitos e suas virtudes, mas de um modo geral tem sido um prazer fazer este filme aqui. Nesta região, com as pessoas daqui. Não pude trazer, porque o filme não tem um recurso de produção, porque quando eu posso, eu trago uma equipe maior, mas aqui eu tenho trabalhado com uma equipe local. Os peões, os marceneiros, pessoas de artesãos para pintores, e são pessoas super bacanas, entusiasmadas.

 
 
 
 

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